Sexta, 25 de janeiro de 2019
Após algumas semanas de imerecido ócio, retomamos nossa coluna previdenciária. O tema da reforma, como de hábito, é tradicionalmente a pauta inaugural de qualquer governo, desde a redemocratização do país. Ao que parece, haverá nas próximas semanas proposta concreta de mudanças, a qual nos permitirá opinar mais concretamente.
Por enquanto, retomo assunto já abordado por aqui. A proteção social das Forças Armadas. Me parece oportuno retomar a matéria, pois, nas últimas semanas, as notícias sobre a inclusão ou não de militares na reforma da previdência tem dominado os noticiários.
Temos de reconhecer que houve alguma evolução na discussão. Nos últimos 20 anos sempre apontei a incorreção de considerar o militar como um trabalhador que deveria se submeter às mesmas regras de aposentadoria. As particularidades da profissão e a necessidade de pleno vigor físico e mental demandam modelo protetivo diverso, o qual, em minha opinião, não é sequer previdenciário. Atualmente, nota-se algum consenso sobre este importante tópico, o que, acredito, nos permita evoluir na discussão.
Mais recentemente, há novas propostas que reconhecem essa realidade, mas, de maneira unilateral, tentam estabelecer mecanismos de ajuste nas despesas futuras com militares da reserva e reformados. Recentemente, temos visto na imprensa propostas, por exemplo, estabelecendo redutores nos vencimentos, excluindo a integralidade, à pretexto de igualar militares às demais carreiras do serviço público e mesmo privado.
Nesse último aspecto, me parece haver uma inconsistência: se as Forças Armadas carecem de tratamento próprio – o que é verdade, aqui e no mundo – como justificar redutores de vencimentos com base em analogias às demais profissões? Como disse, evoluímos na discussão, mas não o suficiente. As comparações com modelos estrangeiros, aqui, demandam cuidados, pois, no exemplo norte-americano – muito usado nos debates atuais – mais de 2/3 dos militares não veem a profissão como definitiva e, mesmo para aqueles que permanecem, há mecanismos de mercado para o imediato aproveitamento destes profissionais.
Tive oportunidade, no último ano, de opinar em diversos projetos de reforma previdenciária, incluindo trabalhadores privados e servidores públicos. Quando indagado sobre projetos específicos para as Forças Armadas, opinei que quaisquer mudanças não poderiam ser feitas unilateralmente. Os reflexos na carreira e na própria capacidade do país em preservar sua soberania demandam cautela extraordinária. Ademais, o retiro do militar, mais do que uma prerrogativa individual, é feita no interesse do povo brasileiro.
A questão é preocupante, pois mudanças desordenadas na proteção social militar podem gerar efeitos perversos na capacidade de mobilização das Forças que não são corrigidas rapidamente. Caso se adote modelo inviável de cobertura dos trabalhadores privados e públicos, uma mudança legislativa futura poderá gerar medidas de adequação, como a criação de um pilar de cobertura mínima. A medida é custosa, possui complexidades variadas, mas pode ser concretizada em tempo razoável (vale aqui, o exemplo do Chile). Nas Forças Armadas, não.
Caso haja mudanças unilaterais nos requisitos de transferência para a reserva, tais medidas poderão redundar em ineficiência das Forças. Uma vez identificado o erro, anos irão se passar até que novas gerações sejam formadas e assumam condições para defesa do território nacional. Qualquer estratégia errada, aqui, imporá elevado custo de recomposição, como se observa, atualmente, em alguns países da América Latina, com suas Forças Armadas depauperadas.
A verdade simples e pura é que, no âmbito das Forças Armadas, a discussão que seguramente pode e deve tomar lugar não é estritamente previdenciária – a qual, como disse, me parece inexistir – mas sim uma reflexão maior sobre a carreira militar como um todo. Caso os brasileiros estejam vivendo mais e com qualidade, poderia o militar permanecer mais tempo em serviço ativo? Obviamente que sim. Mas como?
Essa é a questão. Economistas, advogados e especialistas em gestão pública não têm como oferecer essa resposta sozinhos. Não conhecemos a carreira em profundidade para tanto. O que fazer? Ampliar o tempo de formação? Aumentar os interstícios entre patentes? Criar novos segmentos de atuação com idades de retiro diferentes? Enfim, a temática, como disse, não é propriamente previdenciária. A cautela deve imperar nessa discussão, pois o interesse é de toda a nação.
por Fábio Zambitte Ibrahim é advogado, professor titular de Direito Previdenciário e Tributário do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), professor adjunto de Direito Financeiro da UERJ, professor e coordenador de Direito Previdenciário da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Doutor em Direito Público pela UERJ, mestre em Direito pela PUC/SP. Foi auditor fiscal da Secretaria de Receita Federal do Brasil e presidente da 10ª Junta de Recursos do Ministério da Previdência Social.
Fonte: www.migalhas.com.br