Quinta, 21 de maio de 2020
O coronavírus (Covid-19) é uma situação extraordinária, onde inúmeros direitos encontram-se em conflito, há uma necessidade premente de proteção a saúde pública em caráter mundial, o que expõe a força e a gravidade do momento que estamos vivenciando.
As classes sociais que foram atingidas primeiramente são os trabalhadores e seus respectivos empregadores. Fato este que levou os juristas laborais a refletirem sobre o tema, ao passo que há um conflito de princípios: da continuidade da relação de emprego e o da função social da empresa.
O princípio da continuidade da relação de emprego é clássico no direito do trabalho, traduz-se na preocupação em manter o empregado com vínculo de emprego, da forma mais estável possível, ao passo que o valor social do trabalho é um valor fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, CRFB/88).
O princípio da função social da empresa demonstra a necessidade e essencialidade dos empregadores no oferecimento dos empregos, da preocupação com a segurança e saúde no meio ambiente laboral, no impacto da economia local. Tal princípio aproxima-se no valor da livre iniciativa (art. 1º, IV, CRFB/88) tão importante quanto o valor social do trabalho.
Assim, nesse caso de pandemia na saúde pública algumas vozes entendem que haveria aplicação do art. 486 da CLT, o chamado fato do príncipe. O referido artigo expõe o seguinte:
“art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.”
Da leitura do artigo percebe-se que o fato do príncipe é uma situação extraordinária, fora do controle das partes, ou seja, é uma situação imprevisível sobre a qual atingirá aquele contrato de trabalho de forma específica, sendo lícito e previsto na lei a busca pela indenização por ato da autoridade municipal, estadual ou federal.
Em suma, o fato do príncipe para ser caracterizado precisa atender aos requisitos: fato imprevisível e fora do controle das partes envolvidas (empregador e empregado), imposto por ato específico da autoridade pública (ato discricionário, onde o Administrador Público optou por tal situação), tal ato seja o motivo principal da paralização do trabalho, por isso, indenizável.
Com isso, percebe-se que é arriscado afirmar e defender a tese de que o fato do príncipe é o que ocorreu na população brasileira em relação aos contratos de trabalho vigentes. Uma vez que pelos requisitos citados não há o enquadramento necessário para o reconhecimento judicial desse fato, tal tese é muito arriscada e frágil nesse momento.
A tese seria facilmente rechaçada na seara trabalhista.
Observado os fatos e o contexto histórico que vivenciamos: o covid-19 é uma questão de saúde mundial, há avisos e sugestões da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicando que a quarentena para as pessoas que compõem os grupos de risco e aqueles que podem fazê-la é uma atitude necessária, os administradores públicos que estão decretando fechamento dos serviços não essenciais o fazem para proteger a saúde pública e não por escolha própria, os serviços que foram prejudicados foram inúmeros e não um em específico.
A área trabalhista será fundamental no aconselhamento dos empresários, agindo em caráter preventivo, ou seja, visando minorar os danos já concretizados pela pandemia, bem como a advocacia em caráter repressivo, significa dizer o destaque da atuação do advogado em âmbito judicial podendo, inclusive, anular aquela dispensa se feita baseada no fato do príncipe.
Na área trabalhista há uma valorização da busca pelo acordo, já que nessa situação as partes e seus advogados podem, através de concessões recíprocas encontrar uma pacificação para o conflito.
É em momentos de crise que a advocacia tem seu protagonismo percebido, sendo o vetor e atuando como um gerenciador de situações tensas, quase como um missionário, de fato indispensável à administração da Justiça (art. 133, CRFB/88). Por isso, é sugerível que as situações sejam observadas de forma específica e que a demissão seja utilizada apenas se não houver outra solução viável.
Escrito por Geovanna de Araujo Fernandes, advogada especialista em direito e processo do trabalho
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5722974258931921